Por Fabi Costa
Bicampeã Brasileira de Boxe – CBBOXE, Personal Trainer, pós graduada em Musculação e Treinamento de Força, atualmente cursando pós graduação em Metodologia e Didática das Artes Marciais , Árbitra de MMA (Mixed Martial Arts) e há mais de 22 anos atuando como professora de boxe em grandes academias.
Pioneira no Boxe Feminino baiano e nacional, participou de competições internacionais e do Pan-Americano de Boxe Feminino no ano de 2007. Pioneira também como árbitra central de MMA, atuando em vários eventos, com certificação internacional.
A curitibana Carla Freitas mudou-se para Salvador no início de 1997. Em meados do ano, começou a treinar o Jiu-Jitsu na Academia Edson Carvalho. Logo depois iniciou o boxe na mesma academia, sendo posteriormente convidada a treinar com o Zé Oliveira (atleta da Academia Champion), que após um tempo a levou para conhecer o Professor Luiz Dórea, que afirmou ter potencial para competir.
No Dia Nacional do Boxe, 26 de Março, Carla Freitas concedeu uma entrevista exclusiva ao Caderno Baiano. Confira abaixo:
Hoje, Dia Nacional do Boxe, qual o significado dessa data para você?
O dia de hoje é uma data que significa não só pra mim, mas para todos os amantes da Nobre Arte. Uma data para ser lembrada e comemorada, não só pelo esporte nacional, mas pelo ser humano que deu muitas alegrias ao boxe, nosso conhecido “Galinho de Ouro”, Éder Jofre. Essa data foi escolhida pelo nascimento do nosso maior pugilista da história do Brasil, que foi campeão mundial dos pesos-galo entre 1960 e 1965 e eleito o melhor de todos os tempos em sua categoria, pelo Conselho Mundial de Boxe.
Como você iniciou no boxe?
As artes marciais surgiram na minha vida em 1997, quando me mudei para Salvador. Comecei pelo Jiu-Jitsu, na Academia Edson Carvalho, mas logo em seguida um “anjo” (uma colega de treino) me convidou para treinar boxe, pois ela era a única mulher na equipe. Eu fui, me apaixonei e não parei mais. Encontrei no boxe um esporte onde era possível extravasar, perder peso e, além de tudo, também me ajudou a enfrentar a depressão que eu havia entrado, por conta da mudança de cidade. Foi no boxe que eu encontrei minha principal terapia e consegui adquirir autoconfiança.
Em 1998, meu técnico na época, Zé Oliveira, me convidou para fazer uma luta e também me levou para começar a treinar na academia referência do boxe baiano, nacional e mundial, a Academia Champion, do grande mestre e meu segundo pai, Luiz Dórea.
Meu primeiro combate foi uma preliminar da luta do Reginaldo Holyfield, no extinto Ginásio de Esportes Antônio Balbino (Balbininho), com uma verdadeira arena lotada.
Acabei saindo vitoriosa e me apaixonei ainda mais pelo boxe. Sabia que era aquilo que eu queria para a minha vida. Enfrentei família, preconceitos, mas estava indo em busca do que me fazia feliz!
Naquela época, eu já era uma das pioneiras do boxe feminino na Bahia e, após 4 anos, fiz a minha estreia oficial, no 1º Campeonato Brasileiro de Boxe Feminino (2002) pela CBBOXE (Confederação Brasileira de Boxe). Fiz 15 edições seguidas do Brasileiro, subi ao pódio em quase todas as edições e, com essas conquistas, pude participar de competições fora do país, como o Campeonato Pan-Americano de Boxe Feminino, no Equador, e outras grandes competições onde sagrei campeã.
Infelizmente precisei parar a minha carreira como profissional de boxe, devido à algumas lesões e também pelo fator idade, na categoria olímpica da época. Atualmente ensino a nobre arte com muita paixão, amor e respeito ao esporte.
Quem foi a sua maior referência no boxe?
Eu tive não somente uma, mas algumas. As minhas maiores referências estavam ao meu lado. Primeiro o meu mestre Luiz Dórea, que além de ser campeão, sempre soube ensinar e formar campeões. Naquela época, dentro da própria academia Champion, tinham as lendas nacionais: Kelson Pinto, Acelino Popó Freitas, Reginaldo Holyfield, dentre muitos campeões brasileiros. O boxe baiano era um celeiro de grandes nomes do boxe brasileiro.
Fora da academia, eu aprendia com lutas do Éder Jofre e do Miguel de Oliveira. E internacionalmente, eu me inspirava em Muhammad Ali, Sugar Ray Leonard e Mike Tyson.
Hoje ainda não é fácil, mas acredito que na sua época, era muito mais difícil. Quais foram as maiores críticas que ouviu ao longo da sua carreira?
Realmente… Como fui uma das pioneiras no boxe brasileiro, ouvi muitas e as maiores críticas que você nem pode imaginar! E que, na verdade, a gente tenta apagar da memória, para poder seguir. Cansei de ouvir que eu era uma “patricinha” (garota de classe média), que não iria em frente, não iria aguentar… Cheguei até a ouvir que era melhor estar em outro esporte, estar em cima de uma passarela, porque o boxe não era para meninas. Todavia, eu sempre acreditei que estava ali para mostrar exatamente o contrário. Então tudo isso só me dava mais força! E, com MUITO orgulho, conseguimos abrir portas e hoje temos grandes referências de lutadoras brasileiras.
Você chegou a sofrer algum tipo de preconceito e/ou assédio?
Assim como recebi críticas, sofri muitos preconceitos e também assédios, que tinham o intuito de me fazer desistir, de me diminuir. Inclusive assédios de dirigentes da Confederação que não acreditavam no boxe feminino, e diziam que era para eu estar em outro esporte, pois o boxe não era um esporte para mulher. Até depois, quando iniciei como professora, sofri muito preconceito, por ser mulher, para dar aula de boxe. Eu escutava cada coisa… Porém aprendi que temos que ter muito jogo de cintura! E não permitir que isso vire contra a gente, mas devemos ter sabedoria para usar tudo isso a nosso favor. Então eu pedia a oportunidade de fazer uma aula para conhecerem o meu trabalho e ali eu conseguia romper o preconceito.
Como e quando iniciou a carreira na arbitragem?
Em 2007 iniciou-se um outro pioneirismo na minha vida. Dessa vez como a primeira Árbitra (central) de MMA do Brasil. Como já era atleta de boxe e jiu-jitsu, eu entendia de regras.
Um amigo de treino, Edilberto Crocotá (Lutador | Ex-UFC), iria fazer um evento de MMA, o CrocoCombat I, em sua cidade, Campo Formoso, e me convidou para fazer a arbitragem, junto com Junior Cigano, Rogério Minotouro, Guilherme Assad, Erivan Conceição e Renato Velame. Ele dizia que eu seria a primeira árbitra do Brasil. Como eu entendia e vivenciava aquilo diariamente, eu conhecia as regras dos esportes (boxe e jiu-jitsu) e, naquele tempo, nem existiam muitas regras do MMA dos dias atuais. Era a famosa luta de VALE-TUDO (a arte marcial contra outra arte marcial) .
Crocotá me disse que era “só pra não deixar morrer”. (Rsrs) Acabei aceitando e assim me tornei pioneira na arbitragem de VALE-TUDO/MMA. Foi sensacional!
Logo em seguida, ele me apresentou a um outro evento que também acabei arbitrando. Nesse eu estive ao lado de grandes nomes da arbitragem: Carlão Barreto e Paulo Borracha. Ambos me mostraram e me encaminharam melhor para as regras do MMA.
Então foram surgindo outros eventos. Durante esse processo de profissionalização, fui qualificada e certificada internacionalmente, através de cursos e reciclagens liderados pelos também grandes mestres da arbitragem: Mario Yamasaki e John McCarthy (considerado o pai das regras do MMA).
E continuo sempre reciclando. Meu último curso foi ministrado pelo mestre Flávio Almendra.
O que as pessoas nunca te perguntaram e você gostaria de falar?
Que quando olho para trás, vejo que não foi nada fácil! Principalmente por serem esportes considerados majoritariamente masculinos. Mas, aos poucos, estamos conquistando o nosso espaço, todavia ainda vivencio e sofro preconceitos, assédios de dirigentes de grandes eventos que não acreditam que a mulher pode ter seu espaço. Digo isso porque até nos dias atuais temos poucas mulheres como árbitras, não porque somos poucas, mas sim pelo espaço que não nos permitem entrar! Mesmo detendo a mesma ou até melhor qualificação que muitos homens, nós sofremos e somos deixadas de lado! Mas sei que não podemos desistir. E eu vou continuar nesse meio da luta, entregando o meu melhor com total profissionalismo e encorajando mais pessoas, especialmente as mulheres, a iniciarem no mundo das artes marciais!
Fotos: ASCOM Carla Freitas