O Projeto de Lei (PL 7.082/2017) – que cria novas regras e procedimentos para autorização de pesquisa clínica em humanos – que voltou a tramitar no Congresso em caráter de urgência no final do ano passado, divide opiniões.
De um lado, pesquisadores e médicos afirmam que – se aprovada como está – a legislação tornará o Brasil uma país mais competitivo quando o assunto é inovação científica, além de ampliar o acesso de pacientes a tratamentos de ponta.
De outro, há críticas com relação ao texto, que segundo a visão de algumas entidades, vai enfraquecer salvaguardas que hoje defendem as pesquisas científicas com seres humanos e eu as alterações na lei beneficia apenas a indústria farmacêutica.
Os dois lados
A principal desaprovação em relação ao PL é a exclusão de pesquisadores e cientistas independentes e também de representantes da população, como pacientes e familiares, do processo de aprovação dos projetos de pesquisa.
Conep é o órgão que autoriza pesquisas
Diferentemente de como é hoje, o texto acaba com a prerrogativa da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) de aprovar e acompanhar pesquisa clínicas em humanos.
A Conep, criada em 1996, possui uma composição multidisciplinar com participação de pesquisadores, estudiosos de bioética, juristas, profissionais de saúde, das ciências sociais, humanas e exatas e representantes de usuários.
A instituição é uma das comissões intersetoriais que compõe o Conselho Nacional de Saúde (CNS) vinculado ao Ministério da Saúde.
Querem extinguir o Conep
No lugar Conep, o PL prevê que as autorizações de pesquisa sejam aprovadas por comitês de ética diversos, num prazo de até 30 dias, para análise e aprovação do projeto.
O texto que passou pela Câmara dos Deputados em novembro do ano passado, depois de sete anos parado, voltou ao debate no Legislativo Federal e pode ser aprovado, assim que o Congresso retome de férias no dia 02 de fevereiro.
Câmara dos deputados aprovou com 305 votos
Depois de passar por diversas audiências públicas e por três comissões, o PL foi aprovado com 305 votos a favor e 101 contra. Agora, aguarda análise de urgência pelo Senado Federal.
Na ocasião, o relator do texto, o deputado federal Pedro Westphalen (PP-RS), disse que a aprovação da lei na Câmara foi um grande passo para inserir o Brasil nos patamares internacionais de pesquisa, destravando o processo hoje existente.
Ministério da Saúde é contra
Mas o Ministério da Saúde, se posicionou contra a extinção do órgão nacional de ética. No final do ano passado, a pasta enviou uma nota técnica ao Congresso defendendo a atuação do Conep frente ao acompanhamento e autorização de pesquisas em seres humanos.
O Dr. Jorge Venâncio, que coordenou a Conep entre 2013 e 2022, também se opõe à extinção do órgão, que segundo ele, já possui reconhecimento internacional.
Prazo de análise de 7 dias
“O prazo médio para aprovação dos estudos da vacina da Covid foi de 7 dias. Em alguns casos, de maior urgência, em 3 dias havia uma resposta. Fomos elogiados por pesquisadores do mundo inteiro. Agora, querem acabar com a Conep e colocar um sistema sem cabeça”, questiona o médico.
De acordo com o Dr. Venâncio, caso o PL seja aprovado, as pesquisas em humanos poderão ter início sem que haja um órgão regulador.
Comitês de ética criados por patrocinadores?
“Pelo o novo texto, os Comitês de Ética poderão ser controlados por patrocinadores. Há Comitês sérios. Mas se as farmacêuticas podem criar Comitês para eles mesmos, o que esperar? Será a lei da selva”, alerta Dr. Jorge.
Já na visão do porta-voz e fundador do Brazilian Clinical Research Institute (BCRI), Dr. Renato Lopes, o texto que torna menos burocrático e complexo o processo de aprovação de pesquisa clínica com humanos, não compromete o rigor ético.
“Não compromete o rigor ético”
“Não compromete o rigor ético, sempre protegendo, ao máximo, os participantes das pesquisas e sempre seguindo todas as recomendações e rigor”, diz Dr. Lopes.
Para Lopes, as várias camadas de aprovação pelos Conselhos de Ética tornam o processo lento demais e não acompanha o tempo da corrida em pesquisas do cenário internacional.
“Não é relaxar os aspectos éticos, porém agilizar o processo de aprovação para que não tenha tantas camadas de aprovação, dando mais liberdade para que os comitês éticos das instituições, que sejam devidamente constituídos e validados, tenham autonomia de aprovar projetos de pesquisa, sem ter que ir para a Conep”, defende o pesquisador.
O como o PL pode impactar no cenário da Cannabis?
Para o médico, Dr. Rafael Pessoa, o uso medicinal da Cannabis pode ser favorecido com a aprovação da lei, uma vez que o país está atrasado em comparação a outras nações, no que diz respeito à regulamentação e pesquisa sobre Cannabis para fins terapêuticos.
“O atual cenário limita o avanço das pesquisas e do uso medicinal da Cannabis no país”, alerta o Dr. Pessoa.
Mais estudos são necessários
De acordo com o médico, é evidente a necessidade de mais estudos e pesquisas clínicas robustas sobre a Cannabis medicinal, e os mais diversos entraves dificultam o acesso à substratos para desenvolver estudos e a complexidade na condução de ensaios clínicos com canabinoides (moléculas medicinais da Cannabis).
“Além disso, há questões regulatórias e legais que precisam ser abordadas. Por exemplo, a legislação brasileira, conforme a Portaria 344/98, controla rigorosamente a planta e as substâncias derivadas da Cannabis”, analisa o médico.
Cannabis ainda é uma substância controlada no Brasil
O estudioso lembra que, muito embora a Comissão de Drogas Narcóticas das Nações Unidas (CND/ONU) tenha reclassificado a Cannabis, reduzindo sua classificação como substância perigosa, a legislação brasileira ainda mantém controles estritos sobre o uso da planta e seus derivados, o que também limita as investigações clínicas.
“A aprovação de legislações como o PL 7082/17 poderia, potencialmente, facilitar a realização de pesquisas clínicas, incluindo aquelas focadas na Cannabis, ao desburocratizar e agilizar os processos de aprovação ética e regulatória”, defende o Dr. Pessoa.
Para SBEC o PL é um retrocesso
A presidente da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis Sativas (SBEC), Dra. Eliane Nunes, reconhece que é preciso dar mais agilidade às autorizações, porém, o PL da forma como está, na opinião da psiquiatra, é um retrocesso.
“Entendo que os Comitês de Ética – que já existem – deveriam ser fortalecidos e não derrubados. A lei pode trazer mais agilidade, sem acabar com o trabalho do Comitê de Ética. Eu vejo muitas inciativas de burlar a ética. O sonho dourado da indústria é testar e não ter responsabilidade”, alerta a médica.
Exemplo da Índia
Essa também é a posição do Dr. Venâncio. Na visão do médico, a consequência será desastrosa caso o Brasil siga o exemplo da Índia de 20 anos atrás.
“Houve essa desregulamentação ética na Índia e muitas pessoas morreram. Isso repercutiu no mundo inteiro. Estão repetindo a Índia nos anos 2000. Em apenas um caso, morreram quase 15 meninas numa pesquisa sobre HPV.
Alta mortalidade
A alta mortalidade nas pesquisas clínicas motivou a Suprema Corte a suspender todas as pesquisas clínicas no país até que houvesse uma regulamentação mais adequada.
“E agora, 20 anos depois, o Brasil vai seguir o mesmo caminho? A lucratividade nas pesquisas é muita alta, e ainda querem tirar o direito dos doentes”, questiona Dr. Venâncio.
Para se ter uma ideia, o mercado das pesquisas clínicas movimenta, mundialmente, mais de 200 bilhões de dólares por ano.
Fonte: Cannabis e Saúde
Foto: Divulgação