Negro, desempregado, morador do Subúrbio Ferroviário de Salvador, Emerson Souza, 42 anos, começou a coletar material reciclável aos 12, quando saiu de casa para morar nas ruas. Desde, então, já se vão três décadas sobrevivendo com o dinheiro arrecado com aquilo que para muitos é lixo.
“Hoje, não moro mais na rua. Tenho minha casinha, um canto para morar. Mas, é da reciclagem que tiro meu sustento, pago quem estou devendo e compro rango (alimento)”, contou o rapaz.
Emerson é parte de uma estatística que aponta as pessoas negras como a maioria entre os trabalhadores dessa categoria. Dados do Senso Demográfico realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2010, revelaram que, à época, 66,1% dos catadores e catadoras de materiais recicláveis do Brasil se autodeclaravam pretos ou pardos.
No período, ainda segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número total de negros e negras representavam 52% da população do país, um percentual inferior ao de trabalhadores do setor de coleta de materiais recicláveis. O Senso de 2022 revelou que a parcela de pessoas que se autodeclaram negras cresceu e corresponde a 55,5% de toda a população do Brasil. Ou seja, dos 215, 3 milhões de brasileiros, 112,8% se reconhecem como pretos e pardos.
Em Salvador, o número de catadores negros parece ser bem superior ao nacional.Dados de associações e cooperativas do setor indicam que, dos 450 trabalhadores vinculados a estas entidades, quase 100% são negros. Quando falamos de trabalhadores autônomos, ainda não existem dados compilados. Mas, nas ruas da capital baiana a cor de quem passa os dias retirando o sustento do que é descartado irregularmente por boa parte da população se assemelha a aponta pelos dados nacional e também das cooperativas e associações.
Quando o assunto são os trabalhadores autônomos acolhidos pela 3ª edição do Arraiá Sustentável e Solidário, projeto coordenado por 12 cooperativas de catadores e catadoras de materiais recicláveis de Salvador e pela ONG CAMA para acolher esse púbico nos 9 dias de festejos juninos na capital baiana, não há dúvidas. Dos 310 profissionais, 96% são negros.
ARRAIÁ SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO
Nesta edição, 560 trabalhadores, sendo 310 autônomos e 250 cooperativados, estão sendo beneficiados pela iniciativa. Um grupo de costureiras da capital baiana e de cidades do interior também recebem o apoio do projeto. Elas foram as responsáveis em produzir o fardamento (camisa e calça) e mochilas sustentáveis que os catadores (as) estão usando.
A expectativa da organização do projeto era receber nas três Vilas Juninas montadas no Parque de Exposições, Pelourinho (Largo da Tieta) e Paripe, Subúrbio Ferroviário, do dia 21 de junho a 2 de julho, Dia da Independência do Brasil na Bahia, 12 toneladas de resíduos. Mas, pelo o que parece, esse montante será superado antes mesmo do prazo estabelecido. Entre os dias 21 e 24 de junho, mais de 9 toneladas de materiais descartados irregularmente, entre latinhas de alumínio, plásticos, garrafas PET, papelão e vidros foram coletados nos três espaços de festa.
Além de ser um serviço prestado ao meio ambiente, o Arraiá Sustentável e Solidário também é para esses 560 trabalhadores a oportunidade de garantir uma renda extra. Cerca de R$ 90 mil reais poderão chegar aos bolsos desses trabalhadores autônomos que atuaram nos três circuitos do São João da capital baiana.
O Projeto injetará até o dia 02 de julho mais R$ 800 mil na economia baiana. Dinheiro que circula na mão dos catadores e catadoras e leva dignidade e sustento para as cerca de 560 famílias. A ação será retomada na próxima sexta-feira, apenas no Parque de Exposições, nas comemorações de São Pedro.
AS VILAS JUNINAS
Nesses espaços, aos serem cadastrados os catadores recebem uma mochila contendo uma calça, uma blusa, um par de luvas, um par de botas e uma capa de chuva. Nas Vilas, os trabalhadores também podem comercializar todo o material coletado. O quilo da latinha de alumínio está sendo vendido a R$6,00, o da garrafa PET, a R$1,00, e do plástico, a R$0,50. Cada catador que conseguir alcançar a meta de 15 quilos de plástico e PET vai recebe uma bonificação de R$30,00, além do valor do quilo do material recolhido. O mesmo acontece com a latinha de alumínio, a cada 15 quilos coletado o trabalhador recebe também R$30,00.
A iniciativa é coordenada pelas cooperativas Coocreja, Cooperbari, Cooperguary, Caec, Canore, Camapet, Crun, Cooperes, Canarecicla, Cooperbrava, Cooperlix, Coleta Cidadã e a ONG CAMA, que integram o Fórum Estadual Lixo e Cidadania da Bahia. A ação conta com o apoio do Governo do Estado da Bahia (SEMA, SEDUR e SETRE) e do MPT-BA, Secis, Limpurb, Voluntárias Sociais da Bahia e MPBA.
Fonte / Foto: Ong Cama