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A crise hídrica no Oeste Baiano – e suas contradições

Neste mês de março em Barreiras – sem chuva e com calor puxado – não faltam ansiedade e afobação para falar de “crise hídrica”. De fato, ela existe. Não obstante, pouco se reflete sobre as razões desta crise. Menos ainda, a sociedade debate como enfrentá-la. Pelo contrário: O esquecimento (que poucas décadas atrás ainda corria água perene nos riachos ao leste de Barreiras: Mamona, Sucesso, Benfica, Vereda, Cotegipe, Tijucuçú, Sacutiaba, e muitos outros), o desconhecimento (que precisa preservar o Cerrado em estado natural para manter a sua oferta de águas) e a falácia do agro (“Dispomos de um reservatório de água subterrânea sem fim!”) acabam enganando e anestesiando a população do Oeste Baiano diante da crise hídrica.

Dois fatos deveriam sacudir a sociedade: A forte diminuição da vazão dos rios e o drástico recuo das águas superficiais (nascentes, riachos, lagoas e brejos). – No ano de 2023, a revista científica internacional “Sustainibility” publicou os resultados de uma pesquisa criteriosa sobre o futuro dos rios no Cerrado do Brasil. O estudo examinou as alterações na vazão de 81 rios (incluindo os rios Grande, Preto, Branco e Corrente) durante os anos 1985 e 2018. A pesquisa conclui que os rios perderam, na média, 15% das suas águas, em decorrência do desmatamento da vegetação nativa e das mudanças climáticas. Olhando para o futuro, o estudo prevê uma redução por 30% da vazão atual até o ano de 2050, caso a expansão dos cultivos e a mudança do clima prosseguirem no ritmo atual. Pior:  Parte dos rios monitorados vai perder a sua perenidade durante as estações de estiagem. O estudo frisa que esse enfraquecimento se deverá mais aos desmatamentos do que às mudanças climáticas. Isto facilita, de certo modo, o espaço de manobras corretivas contra as tendências em curso. – Em relação à diminuição do espaço terrestre coberto com água, o projeto MapBiomas evidencia uma diminuição das áreas cobertas com água (rios, lagoas, trechos alagados) na Bacia do Rio Grande por 15 %, entre 1985 e 2020. Esmiuçando o recorte, a MapBiomas mostra as mudanças drásticas na região antigamente chamada de “Pantanal Baiano”, por sua riqueza de água superficial ao longo da “Vereda de Cocos”, passando por “Campo Grande” até a curva do Rio São Desidério rumo ao Rio Grande. Restaram poucas lagoas, mas muitas memórias deslumbrantes de pessoas que ainda conheciam a região abundante de águas. Hoje, muitos babaçus e buritis vêm secando, apontando para a perca de vida e diversidade das espécies. As comunidades tradicionais da região o digam: Além de ter perdido os seus territórios por causa de grilagem das terras públicas, a sua vida se desestruturou através do sumiço das águas e áreas húmidas.

É notável que o setor “Agro” também fala de “crise hídrica”. O sentido, contudo, não é o mesmo. Enquanto a crise hídrica acima descrita é ecológica, abalando todo conjunto de vida no mesmo meio físico-químico, a crise hídrica do “Agro” é econômica, afetando o conjunto dos bolsos de quem gastou com investidas agropecuárias. Na boca de um dos gurus do “Agro” matopibaiano, Evaristo Miranda, a solução da crise hídrica do “Agro” tem duas palavras: “Mais irrigação”. Funcionário público da União, Miranda projetou, articulou e emplacou uma estratégia de fortalecimento da agricultura irrigada no Oeste Baiano. Conseguiu viabilizar um estudo legitimador para a exploração das águas do aquífero Urucuia, por encomenda de uma parceria pública-privada entre AIBA e Governo da Bahia. Focado na mera disponibilidade matemática de águas, o estudo conclui que a área irrigada no Oeste Baiano, atualmente em aproximadamente 220.000 há, pode ser estendida para 830.000 hectares, sem prejuízo à segurança hídrica na região das bacias Grande, Corrente e Carinhanha. O efeito deste estudo foi imediato. Quem tem o recurso para implementar a irrigação na sua fazenda, pode contar com o Governo Baiano. Na região do antigo “Pantanal Baiano”, por exemplo, um proeminente grupo familiar do “Agro” conseguiu a autorização para explorar as águas subterrâneas abaixo dos seus plantios através de 220 (!) poços profundos de altíssima vazão. Longa vida às commodities! O Pantanal Baiano se dane.

Por nosso monitoramento do Diário Oficial da Bahia, o INEMA emitiu, ao longo do ano de 2024, 36 autorizações novas para captar um total de 2.447.297 m³ de água por dia na Bacia do Rio Grande – ou dos rios, ou das águas subterrâneas –, quase tudo para fins de irrigação de commodities. “Águas são muitas, infindas” relatou Pero Vaz de Caminha à corte portuguesa sobre as águas encontradas. Poderia ter se referido ao Oeste Baiano. Pois o mais belo, vital, importante desta região é a sua capacidade de armazenar e ofertar água de melhor qualidade. É simplesmente contraditório e otário de valorizar mais a produção de commodities do que a manutenção dos mananciais de água. Entretanto, o cerne da crise hídrica no Oeste Baiano se situa justamente nesta contradição.

Martin Mayr – Coordenador da Agência 10envolvimento, Diácono da Diocese de Barreiras
Foto: Acervo 10envolvimento

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