Pesquisadores e economistas Michael França e Alysson Portela lançam livro sobre números da Discriminação Racial no Brasil. “É preciso repensar as políticas públicas no Brasil”, apontam.
Uma pessoa negra trabalhadora no Brasil em 1982 tinha um salário médio que não chegava a 50% do salário médio dos brancos. E essa situação manteve-se até o início dos anos 2000, sem evolução expressiva. Somente a partir dos anos 2000, a renda dos negros aumenta e essa desigualdade atinge seu menor índice em 2011, quando os negros alcançam 67,2% da renda dos brancos.
Números como esse dizem com eloquência o quanto a discriminação racial no Brasil ainda persiste, impulsionada pela falta de políticas públicas efetivas no país. Por isso, o Núcleo de Estudos Raciais do Insper lança nesta sexta, 27, o livro Números da Discriminação Racial: Desenvolvimento Humano, Equidade e Políticas Públicas. A obra, realizada em parceria com a editora Jandaíra é liderada e organizada pelos economistas e pesquisadores do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), Michael França e Alysson Portela.
“Somente quando a gente começa a olhar os dados é que a gente observa uma persistência muito forte da desigualdade sociais, da disparidades sociais. Houve poucas melhoras em alguns setores e pioras em outros. A situação do negro não tem melhorado no Brasil. E isso assusta muito, porque a gente já está falando, de um país com cerca de 40 anos desde a redemocratização”, alerta Michael França, coordenador do núcleo.
Michael diz que a iniciativa do livro parte dos números analisados pela sua equipe que mostram uma grande falha do Estado brasileiro na luta pela redução de desigualdades, seja qual for a corrente ideológica que esteja no poder. “Se você pegar indivíduos negros e brancos com as mesmas características produtivas, existe uma diferença racial no mercado de trabalho de quase 15% que está constante nos últimos 40 anos”, aponta o economista.
“Ou seja, foi um país que teve redemocratização, governos à esquerda, governos da direita, PT, PSDB ou outros, uma série de políticas públicas e não conseguiu fechar essa diferença no mercado de trabalho.
Negros ganham quase 15% a menos que os brancos de maneira constante. E é isso que o livro está sinalizando. A gente está falhando muito nas nossas políticas públicas. Se o objetivo é incluir o negro na sociedade moderna, a gente está fracassando”, diz Michael França.
O economista afirma que houve alguns avanços na luta contra a discriminação no Brasil, principalmente desde o início dos anos 2000. “Porém, a gente realiza apenas uma parte da inclusão produtiva dos mais pobres. É importante haver transferência de renda e suavizar a pobreza. Mas precisamos avançar em outras coisas, na educação, no acesso à saúde e à cultura, para incluir o indivíduo e gerar mobilidade social”, reitera Michael França, que também foi pesquisador visitante nas universidades de Columbia e de Stanford, nos Estados Unidos.
Faltam dados?
Questionado se o livro é uma resposta a uma carência de dados sobre o assunto no Brasil, Michael França é categórico. “Os dados estão aí. Eles não são utilizados porque a discriminação racial não é vista pelas suas autoridades como um problema no Brasil”, sublinha o autor. Ele diz que institutos sérios no Brasil como o IBGE ou o IPEA já faziam esse trabalho árduo de disponibilizar esses números.
Por exemplo, números de décadas anteriores e explorados no livro já apontam as enormes dificuldades enfrentadas pelos negros para ter acesso a um acompanhamento médico na rede do SUS. É sabido que pretos e pardos têm duas vezes mais chance de nunca terem ido ao médico em comparação com os brancos, apesar do conceito de universalidade do sistema de saúde brasileiro. “O que a gente fez foi organizar um agregado desses dados e fazer algumas análises. Mas tudo isso está à nossa disposição nos últimos 30 anos. O problema é que os governos no Brasil brincam com a pobreza para ganhar voto”, lamenta França.
Na obra, os autores apontam o quanto a estrutura social brasileira afeta nas escolhas dos negros e, consequentemente, na sua mobilidade social. Em suma, a desigualdade afetas as escolhas. “O fato é que a representatividade conta muito, sim. Se a gente acabasse no Brasil com os mecanismos discriminatórios, ainda sim o negro sairia desfavorecido. Por exemplo: o fato de às vezes você não ter ter tantas referências de negros economistas, na engenharia, na biologia etc faz o próprio negro achar que talvez aquilo não seja uma ocupação para ele e acabar seguindo uma trajetória às vezes muito parecida com a trajetória familiar”, afirma Michael França.
Caminhos e soluções
Segundo os autores, o livro é “mais um ponto de partida do que um ponto de chegada” para repensar as políticas públicas no Brasil. “E a gente pode desde já fazer intervenções para tentar mudar o conjunto de escolhas dos negros e menos favorecidos”, diz Michael França, que salienta que intervenções de baixo custo já poderiam pesar significativamente nessa dinâmica.
“A gente pode entrar no imaginário coletivo e afetar esse histórico. O simples fato de uma novela começar a ter mais negros (que representam a maioria da população), em postos como médicos, engenheiros ou advogados, já afeta o curso de escolhas da população”, insiste.
Discutir discriminação racial no Brasil é fundamental para a compreensão da identidade nacional, segundo os autores. Para tanto, Michael espera que o livro chegue às mãos de gestores públicos, aos diferentes escalões do governo federal, aos acadêmicos e universitários e aos membros dos movimentos negros no Brasil. “Precisamos ser propositivos. É preciso ter consciência do impacto do atraso causado pela escravidão, sem esquecer de propor mudanças”, sugere Michael França.
O livro Números da Discriminação Racial: Desenvolvimento Humano, Equidade e Políticas Públicas será lançado no Auditório Steffi e Max Perlman, no Insper, nessa sexta, às 18h, durante uma roda de conversa entre os autores e autoras da publicação.
Fonte: Headline
Imagem: Divulgação