Um projeto desenvolvido pelo laboratório do Centro de Informação e Assistência Toxicológica da Unicamp (CIATox) criou um modelo capaz de controlar a qualidade dos óleos de cannabis produzidos de forma doméstica por famílias ou associações.
O objetivo é dar mais segurança para quem usa produtos medicinais à base de maconha. Nos últimos dois anos, o trabalho analisou cerca de 900 amostras de todo Brasil e agora busca demonstrar um avanço científico sobre o uso da planta em tratamentos de saúde.
O que é o controle de qualidade feito pela Unicamp
O controle de qualidade realizado na Unicamp é um desdobramento do projeto de doutorado conduzido pela pesquisadora Marilia Santoro Cardoso, que desenvolveu um método capaz de determinar 12 canabinoides – estruturas químicas que definem a composição desses produtos.
Entenda como o projeto funciona passo a passo:
-Os pacientes e associações extraem os óleos de cannabis e enviam lotes para o CIATox;
-No laboratório, que fica em Campinas (SP), os pesquisadores fazem uma análise de teor;
-A avaliação é capaz de determinar quais canabinoides estão presentes e em que quantidade;
-Por último, os lotes são devolvidos com detalhes da composição.
Por que o controle de qualidade é importante
Segundo o pesquisador José Luiz da Costa, que coordena o CIATox, o serviço possibilita que o paciente saiba exatamente o que compõe o óleo extraído de maneira doméstica, já que esse tipo de produção não tem um controle regulamentado e pode apresentar alguns riscos que são atenuados pelo projeto.
“Todo produto medicinal precisa ter um controle de qualidade para você ter um resultado eficaz. Você precisa saber qual a dose correta e se a substância está adequada”.
“Às vezes o paciente precisa tomar um produto com mais canabidiol [CBD] ou com mais tetrahidrocannabidiol [THC]. Ele precisa ter a certeza de que está tomando o remédio certo. Se o tratamento precisa ser constante, é importante padronizar o extrato que conseguiu”, completa o professor.
Isso significa, por exemplo, que:
Se a análise mostrar que a fórmula não é a ideal para aquele caso – por exemplo, se tiver mais THC do que o indicado –, o paciente poderá fazer adaptações;
Já se a fórmula estiver adequada, ele poderá manter aquela receita para os próximos extratos, pois terá mais precisão.
Esse cuidado é relevante porque cada pessoa tem um sistema endocanabinoide único, ou seja, tem receptores no próprio corpo que recebem e reagem de maneira individual aos componentes da maconha. Por isso o tratamento deve ser personalizado.
Como ainda há uma variedade limitada de produtos autorizados para a venda, o paciente pode ter dificuldade de encontrar uma fórmula precisa para atender às necessidades dele. Por isso, apesar dos riscos, há quem prefira produzir o próprio óleo para garantir a assertividade para seu caso.
“Muitas associações e muitos pacientes dependem dessa análise da Unicamp. Hoje o trabalho é bem estruturado. A gente está até buscando acreditação junto ao Inmetro [Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia] para esse ensaio, que é uma forma dele ser reconhecido. A gente está buscando fazer essas análises dentro de um sistema de qualidade reconhecido internacionalmente”.
Ampliação do projeto
Costa comenta que o projeto nasceu de forma despretensiosa, mas pela alta demanda foi ampliando significativamente sua atuação. “A gente foi conversando com algumas associações que chegavam e elas pediam para fazer um convênio com a Unicamp”.
“Só que, até então, era um projeto de doutorado. Até que algumas associações falaram: ‘eu te dou os reagentes para fazer a análise, podemos fazer de tal forma’. Aí esse negócio foi se desenvolvendo um pouco mais”, completa.
Em dezembro do ano passado, o trabalho desenvolvido pelo CIATox foi contemplado com um edital da Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo de São Paulo, da Assembleia Legislativa do estado (Alesp) e receberá uma verba de R$ 180 mil, o que pode contribuir para sua ampliação.
Com o investimento, além da análise de teor das amostras, o projeto também vai avaliar a pureza dos óleos, identificando a eventual presença de praguicidas, solventes, entre outros componentes que poderiam comprometer a qualidade.
Um trabalho que pode ampliar a segurança dos pacientes já que a produção “caseira” está mais exposta a contaminações, como explica a pós-doutora pela Faculdade de Medicina da USP e presidente da Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia, Ana Hounie.
“Em remédios caseiros há risco de contaminação por fungos e pesticida, caso não seja uma produção orgânica feita em estufa, e por metais pesados, caso a terra usada também não seja analisada”.
Fonte: CannabisMedicinal
Foto: Divulgação