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Dia Internacional Contra a Discriminação Racial | Exclusiva com Drª Juliana Camões

Por Fabi Costa

No Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, 21 de Março, Juliana Camões, com seu currículo extenso, concedeu uma entrevista exclusiva ao Caderno Baiano.

Advogada, Professora, Diretora Caixa de Assistência dos Advogados da Bahia, Secretária da Comissão de Direito Desportivo da OAB/BA, Membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo, Defensora dativa do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem, já foi Auditora na 6ª Comissão Disciplinar no Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol, Auditora no Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol Americano, Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva do Karatê, Auditora no Tribunal de Justiça Desportiva do Vôlei, Componente do Comitê de Ética da União Brasileira de Cheerleaders, associada do Instituto de Direito Desportivo da Bahia e do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, membro do Conselho de Ética da Confederação Brasileira de Hóquei sobre a Grama e Indoor.

Confira a entrevista abaixo:

O Dia Internacional Contra a Discriminação Racial foi instituído pela ONU em memória ao “Massacre de Sharpeville” em 21 de Março de 1960. Nesse dia, no bairro de Sharpeville, na cidade de Joanesburgo, na África do Sul, aproximadamente 20 mil manifestantes protestavam contra a “Lei do Passe”, que obrigava os negros a usarem uma caderneta na qual estava escrito aonde eles poderiam ir. Essas pessoas marcharam calmamente, em um protesto pacífico. Todavia, a polícia sul-africana conteve o protesto com rajadas de metralhadora, deixando 180 feridas e 69 mortas.

Um marco, infelizmente, pouco lembrado, mas que reforça a necessidade do combate ao preconceito racial no Brasil e no mundo.

O que essa data significa para você?

Para mim, este dia representa um marco de luta, muita luta, algumas conquistas. Sobretudo é uma lembrança de que ainda temos um longo caminho a trilhar pela frente. Alguns avanços tivemos, mas a nossa sociedade ainda não está nem próxima do que pretendemos.

Essas datas são gatilhos para algumas pessoas, mas a luta não pode ser resumida a um dia de homenagens, é necessário ser contra a discriminação racial todos os dias, todos os minutos e segundos.

63 anos depois desse massacre, e manifestações racistas continuam acontecendo. Homicídio de mulheres e homens, especialmente jovens negras e negros, continua crescendo. Como você avalia a efetividade das políticas públicas existentes para garantir os direitos básicos da população negra, especialmente sem violência?

Sabemos que hoje, os jovens negros no país possuem muito mais oportunidade do que um dia tiveram seus pais. O que não quer dizer que sejam iguais às dadas aos jovens brancos. A cada quatro jovens assassinados, três são negros.

Acredito no impulsionamento dado pelas políticas publicas no país, não há como ignorar a existência de uma construção. Nós temos impactos não só sobre a violência, mas também com relação à saúde da população negra. Necessitamos de políticas públicas com equidade e paridade. As políticas publicas precisam levar educação, cultura, esporte, tudo que é previsto na própria Constituição federal, também para a população negra.

Nós somos 56% da população do país e estamos na base da pirâmide de educação e saúde, porém estamos no topo da pirâmide, no que diz respeito à violência. As políticas públicas precisam ser pensadas por negros e negras e dialogadas com essa base, que mais necessita das transformações.

A criança nasce racista ou os pais seguem desempenhando o papel errado?

Não acredito de forma alguma que a criança nasce racista e não responsabilizo exclusivamente os pais. Há todo um contexto familiar, avós, tios, tias, primos, primas. Além disso, o papel da escola é fundamental neste desenvolvimento do menor em fase de aprendizado. 

É papel da família, também, oferecer o convívio adequado à criança, de modo que não haja a construção neste sentido. Ela não vem ao mundo consciente de atos racistas, tampouco com raciocínios neste sentido.

Você acredita que o Brasil tem avançado concretamente na luta contra o racismo, sobretudo o institucional?

Acredito num avanço a passos lentos. Foram anos vivendo uma realidade no país, que precisa ser descontruída. Mas, infelizmente, hoje nos deparamos com situações que evidenciam o lento progresso quanto a isso. 

Não temos representações vistas interior da maioria das instituições públicas e privadas de diferentes setores. Sobretudo em algumas partes do país. Ainda é um assunto relativamente novo para boa parte da sociedade, mas impacta diretamente milhões de brasileiros.

A discriminação que existe no mercado de trabalho ainda é gritante e proveniente disto, por exemplo. A instituição de politicas públicas específicas também, porque não se pode ter brancos definindo o que negros precisam. Eles não compreendem a real necessidade. Ainda temos um sistema de discriminação que, baseado em estereótipos predeterminados, dita qual deve ser a ocupação ou não dos negros e negras neste país. 

A população negra ainda é exceção quando se fala em melhor remuneração, postos de gerência e chefia, carreiras mais cobiçadas.

O que pensa a respeito da implantação do sistema de cotas raciais nas universidades públicas?

É uma medida de reparação, em favor da maioria, que virou minoria. Sem dúvidas essa política dá certo. É possível ver a melhoria da diversidade dos alunos nas universidades publicas do país. 

Os alunos negros, via de regra, são aqueles com menor condição financeira e com pouco acesso a estudo. A cota é uma forma de mudança, de inclusão. Mas sabemos que ainda há muita fraude e a Lei de Cotas precisa melhorar. Há projetos de lei neste sentido. Não adianta o ingresso sem permanência, que tem alto custo, muitas vezes.

O que é mais difícil: combater o racismo em países que são declaradamente racistas ou naqueles, como o nosso país, onde, de um modo geral, o racismo ocorre veladamente?

Quando se pergunta o que é mais difícil , pressupõe-se que há o mais fácil. Mas não há. 

È sempre desumano, é sempre humilhante, é sempre inimaginável. Os pretos, os brancos, os pardos, os indígenas… Todos são iguais. 

Esta luta é universal, não podemos admitir nenhuma forma de racismo, seja ela qual for. O mundo inteiro está unido contra isso. 

Diante da realidade que vivemos, onde o preconceito está presente nos mais diversos grupos e espaços do nosso cotidiano, o que seria possível fazer para desconstruir/eliminar essa estrutura racista?

Investimento rigoroso e estrutural em educação e redução da desigualdade econômica e social. O país é extremamente desigual e acumula extremos opostos. De um lado pessoas que possuem acesso a todos os recursos e, por outro lado, pessoas que não têm acesso ao mínimo dos princípios básicos, comida, alimentação e moradia.

O racismo marca essa estrutura de desigualdade no Brasil, que viveu 350 anos de escravidão. O último país a abolir a escravidão negra. Nós vivemos uma abolição inacabada. A lei áurea não veio com uma base estrutural de investimento nessas pessoas que saem das lavouras de cana de açúcar, café e cacau, que foram jogadas ao mundo sem nenhum amparo. Um secretário de estado em 1911 propôs a política do embranquecimento da população brasileira. Houve investimento em outros povos, renegando a população negra, com a pior condição humana possível.

A desigualdade social contém também o machismo, mas o racismo, sem dúvida é a sua principal marca. 

Podemos mudar com políticas de emancipação, tais como cotas nas universidades, que modificou e muito o ensino universitário no brasil. Não são bastantes, mas são essenciais para esta reparação. Para que haja uma verdadeira democracia, para que todos sejam considerados verdadeiras pessoas humanas em suas reais condições, para que possamos pensar num país mais justo e que mude essa realidade. 

Foto: ASCOM Juliana Camões

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