Professor da UFBA e Diretor Geral da ESMPU, Manoel Jorge, explica o que a Constituição entende sobre a intolerância religiosa
O Brasil é um país com grande riqueza religiosa e a Bahia é um forte símbolo dessa pluralidade. Enquanto por um lado temos grande influência de religiões de matriz africana, o IBGE mostra que nos últimos anos as religiões evangélicas foram as que mais cresceram por aqui.
Ao mesmo tempo, enfrentamos uma realidade dura: Em 2024 houve um aumento de 300% no número de denúncias de intolerância religiosa só na Bahia, de acordo com a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do disque 100.
Wellington Santos tem 28 anos, é ogã no terreiro de Ilê Axé Oju Bará. Vestido com roupas do axé, ao pedir um Uber, teve sua viagem cancelada ao ouvir do motorista: “Não transporto gente com essa roupa.” No fim de 2024, ele fez o seu último sacrifício de animal, buscando boas energias para o ano novo, mas a sua liturgia e cultura, não são plenamente aceitas por muitas camadas da sociedade.
O sacrifício animal em rituais religiosos é usado há mais de 8.000 a.c, sendo praticado por hebreus, gregos e romanos. No Candomblé, a prática também é usada como oferta aos Orixás para que eles descarreguem energias negativas, mas, por muito tempo vem sendo alvo de projetos de lei, retaliação popular e ações na busca da criminalização do ato.
Em 2019, por unanimidade, o STF decidiu que o sacrifício de animais em cultos religiosos é constitucional.
Já Deborah Hosana, 39 anos, empresária na área de saúde, ao cair da tarde das sextas e aos sábados até o cair do sol, se resguarda para sua fé e devoção. Ela relata o preconceito vivido no ambiente acadêmico, quando ouvia de professores e colegas que os adventistas são os mais preguiçosos por guardarem o sábado. O ato de guardar o sábado é uma crença dos Adventistas do 7° Dia, que seguem o quarto mandamento, em que Deus santifica o sétimo dia da semana para o descanso. Para ela, a religião ajudou a formar seu caráter.
Intolerância religiosa pode ter consequência criminal
De acordo com o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal da Bahia e Diretor Adjunto da Escola Superior do Ministério Público da União, Manoel Jorge, existe uma resposta da justiça para esses crimes, mas também, um largo caminho a percorrer para o pleno respeito à individualidade religiosa.
“O poder judiciário tem dado respostas razoavelmente importantes para banir e evitar a intolerância religiosa no Brasil. A depender do comportamento do autor da intolerância, essa atitude ou ato, pode ser punido pela justiça criminal, pela cível, ou do trabalho, caso o ato tenha ocorrido no recinto da empresa.“ Diz doutor Manoel Jorge.
O doutor e autor do livro Proteção Constitucional à Liberdade Religiosa, que teve sua 5ª edição lançada no ano passado com a co-autoria da advogada Maiana Guimarães, fala mais sobre a importância do conhecimento da população sobre o tema:
“A liberdade religiosa ainda é um direito constitucional em questão. É um direito que está na Constituição e está nos textos internacionais que protegem o direito humano, – porque é um direito humano-, um direito fundamental porque está protegido pela Constituição. É necessário destacar a importância de todas as publicações, livros, eventos e seminários a respeito da liberdade religiosa e a consciência do papel dos juristas em fazer as pessoas entenderem que elas são as destinatárias desses direitos da constituição e dos textos internacionais que defendem os direitos humanos.”
Ainda sobre os discursos de ódio contra religiões, Manoel Jorge enfatiza que a liberdade de expressão nada tem a ver com a prática dessa violência: “Embora a nossa Constituição de 1988 admita o direito de opinião e da liberdade de expressão, eles devem ser exercitados de acordo com o parâmetro constitucional de defesa do regime democrático. Então ninguém poderá defender as teses que são contrárias à própria Constituição. Se a Constituição prega a tolerância religiosa, ninguém pode pregar o contrário. Portanto, esse discurso de ódio não poderá ser admitido com fundamento no direito de opinião e da liberdade de expressão”.
Canal de denúncias contra a intolerância religiosa
O Disque 100 é o canal do Governo Federal gratuito e acessível para fazer denúncias.
Também é possível fazer isso discando 100 por meio de ligação, através do WhatsApp (61) 99611-0100, no Telegram digitando “direitoshumanosbrasil” e no site do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania para videochamada em Língua Brasileira de Sinais.
A denúncia é gratuita e anônima.
Fonte: Assessoria de Imprensa
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