Setembro traz à tona uma discussão crucial: a conscientização sobre a prevenção do suicídio, por motivo do Dia Mundial dedicado a esse tema em 10 de setembro. No entanto, a importância de abordar essa questão transcende o contexto de um único mês e se estende a todas as idades, incluindo a infância e adolescência.
O suicídio entre os mais jovens é uma preocupação séria de saúde pública que requer atenção constante e ação imediata. Para entender melhor essa questão, consultamos dois especialistas do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), a co-coordenadora do grupo de pesquisa “Vulnerabilidades e Desenvolvimento Infantojuvenil” da Fiocruz e professora no Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e da Mulher (PPGSMC) do IFF/Fiocruz, Joviana Avanci, e o pediatra e psiquiatra da infância e adolescência do Instituto e membro do mesmo grupo de pesquisa, Orli Carvalho.
Fatores de risco
Quando se trata de avaliar comportamento suicida em crianças e adolescentes, é crucial considerar uma perspectiva ampla. De acordo com o pediatra e psiquiatra da Infância e Adolescência do IFF/Fiocruz, Orli Carvalho, “o comportamento suicida é um fenômeno multicausal que pode ser compreendido como uma interação complexa de fatores, incluindo a dor emocional, perturbações psicológicas e pressões sociais”.
Embora transtornos mentais sejam um fator de risco importante tanto em adultos e idosos quanto em crianças e adolescentes, é essencial não reduzir a questão a uma única causa. “O suicídio tende a ocorrer em apenas 1 a 2% dos sujeitos com transtornos mentais. Portanto, pais, cuidadores, profissionais da saúde e educação devem estar atentos às situações que ampliam o sofrimento emocional dos jovens, como mudanças de comportamento, isolamento, tristeza, irritabilidade e queda no rendimento escolar. Considerando esse público, a presença de impulsividade também é um marcador importante por, teoricamente, reduzir o tempo entre a ideação e a tentativa de suicídio. Além disso, ressalta-se que a existência de uma tentativa de suicídio prévia é um ponto importante de atenção”, adverte Orli Carvalho.
Papel da terapia e da intervenção medicamentosa
A abordagem do comportamento suicida em jovens envolve terapia e, em alguns casos, intervenção medicamentosa. Orli Carvalho destaca que a psicoterapia é a primeira abordagem recomendada. O uso de psicofármacos (medicamentos que atuam nos sintomas psiquiátricos) são reservados para casos mais graves ou quando outras abordagens isoladas não foram eficazes.
A terapia ajuda a entender e expressar emoções, além de abordar elementos da história de vida do jovem paciente, desempenhando um papel fundamental na retomada dos vínculos com a vida. Conforme explicado pela professora Joviana Avanci, em situações de risco iminente a combinação de terapia e medicamentos pode ser necessária para potencializar o tratamento.
Apoio aos pais e cuidadores
Para ajudar os pais e cuidadores a reconhecerem sinais precoces de comportamento suicida, é necessário capacitar os profissionais que têm contato próximo com as famílias. As escolas desempenham um papel vital nesse processo, pois têm um acompanhamento longitudinal das crianças e adolescentes.
A orientação às famílias sobre desenvolvimento na infância e adolescência, manejo do estresse e da raiva, preconceitos e minorias, prática de exercícios físicos, tempo de sono, e uso de novas tecnologias também é crucial. “É importante informar sobre o acesso aos meios de tentativa de suicídio e como impedir esse acesso, são mecanismos importantes quando se considera uma abordagem universal, que deve chegar a todo esse público”, ressalta Orli.
Desafios comuns e recomendações
Joviana Avanci observa que configurações socioeconômicas precárias, a exclusão social, o pertencimento a minorias e a vivência em áreas de violência podem aumentar o sofrimento entre os jovens. Portanto, é essencial levar em consideração as condições de vida desses adolescentes.
“Toda esta conjuntura social precisa ser levada em consideração na abordagem do comportamento suicida e da autolesão, trazendo à tona as condições de vida desses adolescentes e em que medida são adoecedoras e produtoras de sofrimento. A relação na escola, entre pares e os novos relacionamentos afetivo-sexuais ganham destaque em meio a situações de bullying (intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação) e cyberbullying (violência virtual), aumentando o sofrimento”, comenta Joviana Avanci.
Segundo explicado por Joviana Avanci, ouvir sem julgamentos, dar informações e ajudar jovens a identificar e expressar seus sentimentos de forma construtiva são atitudes que podem interromper o comportamento suicida. Em casos suspeitos ou confirmados, a notificação compulsória às autoridades sanitárias é obrigatória.
Os recursos de proteção contra o comportamento suicida têm origem no âmbito familiar e social. “A escola, por exemplo, pode desenvolver sentimentos de autoestima, autoconfiança e perspectiva de futuro. É fundamental que crianças e adolescentes se sintam conectados e saibam que podem contar com adultos de confiança”, conclui Joviana.
É necessário reforçar a importância de abordar a prevenção do suicídio, mas essa é uma missão contínua. Nesse sentido, é essencial que os cidadãos trabalhem juntos, especialmente os profissionais de saúde e educação, para criar um mundo onde a esperança prevaleça e cada vida seja valorizada, não apenas em setembro, mas todos os dias do ano.
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