A ação itinerante percorreu 3.385 km para levar os serviços da Defensoria a 15 localidades com dificuldade de acesso; além de promover educação em direitos, o projeto garantiu a resolução de demandas em diversas áreas da instituição
Se levarmos em consideração a certidão de nascimento, Dona Maria tem 48 anos. No RG é 64. Até mesmo o nome está diferente nos documentos. No primeiro, consta Maria Silva Nascimento, no segundo, Maria Nilza Nascimento. Já Fábio, sequer possui documentos. De acordo com um vizinho, ele tem 33 anos e nasceu em casa, em Perobas, uma comunidade ribeirinha do complexo estuarino do Cassurubá, que compreende os municípios de Alcobaça, Caravelas e Nova Viçosa, no Extremo Sul da Bahia.
Além dos problemas documentais e das lacunas de acesso a direitos que eles ocasionam, o que essas duas pessoas têm em comum é o fato de terem acessado os serviços da Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA). Ambos foram atendidos pela instituição durante o Interioriza Defensoria, um projeto de democratização do acesso à justiça que, em sua sexta edição, percorreu 3.385 km para levar os serviços da Defensoria a 15 localidades. Somente em 2023, a ação chegou a 4 mil atendimentos.
“O Interioriza reafirma o compromisso da Defensoria da Bahia com a população mais vulnerável. Ele se soma às demais iniciativas que temos para fortalecer o atendimento nas localidades em que temos sede instalada e garantir que, mesmo aqueles(as) que estão fora das comarcas onde estamos, tenham acesso ao mínimo de assistência jurídica, integral e gratuita de qualidade”, avalia o coordenador do Núcleo de Atuação Estratégica, Marcelo Rodrigues.
Com o projeto, a DPE/BA mobiliza as 15 Regionais para promover atendimentos em localidades com dificuldades de acesso aos serviços da instituição. Entre os dias 07 e 09 de agosto, a ação itinerante aconteceu nas cidades de Antônio Cardoso, Encruzilhada, Santa Luzia, Taperoá, Caraíva, Rodelas, Presidente Dutra, Itagi, Inhambupe, Caravelas e Sebastião Laranjeira; e nos distritos de Arembepe (Camaçari), Pinhões (Juazeiro), Sambaituba (Ilhéus) e Vila Amorim (Barreiras).
Além de promover educação em direitos, o Interioriza Defensoria garantiu a resolução de demandas em questões de saúde, consumidor, processo criminal, pensão alimentícia, divórcios, exames de DNA, erros em registros de nascimento ou casamento, entre outros.
Para o defensor Marcelo Rodrigues, os números e as histórias impactadas pelo projeto refletem a eficiência da instituição e reforçam a necessidade, já prevista no ordenamento jurídico, de que a Defensoria Pública esteja instalada em todas as comarcas do país. Na Bahia, 163 dos 417 municípios, o equivalente a 67,5% da população, têm acesso aos serviços da DPE/BA. Ainda assim, devido ao tamanho das comarcas, distâncias entre cidades, vulnerabilidade da população, entre outros fatores, mesmo onde a instituição tem sede, há dificuldades de acesso.
No caso de Dona Maria e Fábio, cujas histórias abrem nossa matéria, ambos moram em cidades que não integram comarcas atendidas pela Defensoria. Para chegarem em Caravelas, local mais próximo da residência onde aconteceu o Interioriza, eles enfrentaram quase uma hora no barco mais rápido. De acordo com o movimento das marés, no transporte mais lento e mais barato, o trajeto pode demorar 3 horas, conta Dona Maria. Teixeira de Freitas, a 89 km de distância de Caravelas, é o município mais próximo com sede da DPE/BA instalada.
Dona Maria está impossibilitada de se aposentar
“Foi por conta da vulnerabilidade das comunidades ribeirinhas que escolhemos Caravelas para sediar a sexta edição do Interioriza da 14ª Regional”, explica o coordenador Regional da DPE/BA em Teixeira de Freitas, Caio Cesar Cruz. Antes da realização do projeto, ele percorreu algumas das comunidades que integram a Reserva Extrativista do Cassurubá para divulgar os serviços da instituição e, no dia do evento, contou com o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) para garantir o deslocamento das famílias.
Por conta das divergências nos documentos, Dona Maria, que é trabalhadora rural, está impossibilitada de se aposentar e disse já ter tido atendimento médico recusado. “Eu fui no hospital e tive que voltar da porta pra fora. Não pude fazer nada porque o documento que eu tinha não servia”, conta. Após o atendimento, a Defensoria enviou um ofício ao cartório de registro civil de pessoas naturais solicitando a certidão de inteiro teor da certidão de nascimento para verificar as informações presentes no livro de registro.
No caso de Fábio, a situação é ainda mais dramática. O rapaz sequer existe para o estado brasileiro. Nunca frequentou escola ou qualquer unidade de saúde. “Eu sou forte, graças a Deus”, se vangloria diante das expressões de surpresa às informações de que ele nunca foi vacinado, nem precisou de internamento médico.
Para garantir que o rapaz possa exercer a cidadania plena, com direitos civis, políticos e sociais, será necessária uma ação de registro tardio. Ainda durante o Interioriza, a equipe da DPE/BA realizou a coleta de amostras de DNA para comprovar a maternidade e, após resultado do exame, vai ingressar com a ação judicial.
Fonte: ASCOM DPE/BA
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