O documento é a segunda publicação do Núcleo de Equidade Racial e deverá servir de modelo para atuação qualificada nas demandas individuais e coletivas
A Bahia, estado com maior proporção de negros entre as unidades federativas, é responsável por cerca de 8 de cada 10 processos de injúria racial no país. Em 2023, foram 4.798 casos, sendo 4.049 apenas no estado. Às vésperas do dia nacional dedicado à reflexão sobre as consequências do racismo – 20 de novembro – a Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA) divulgou um importante instrumento para garantir defesa qualificada e acolhimento às vítimas.
Apresentado em uma cerimônia festiva nesta terça-feira (19), o “Protocolo de Atuação: Racismo – aspectos cíveis e criminais” apresenta um arcabouço jurídico para os(as) defensores(as) atuarem na área. O protocolo tem um viés histórico sobre a conquista dos direitos da população negra, traz inovações sobre os aspectos legais e, como ferramenta de educação em direitos, está disponível no site da DPE/BA para fins de consulta, em acesso aberto à população.
Para a defensora-geral da Bahia, Firmiane Venâncio, que fez questão de participar do evento realizado no auditório da Escola Superior da Defensoria (Esdep), o lançamento do protocolo é mais um passo que a instituição dá para construção da sociedade que se deseja. Em sua fala, ela também ressaltou os caminhos percorridos pela DPE/BA no combate ao racismo e a importância de políticas racialmente transversalizadas.
“Temos que começar de dentro de casa para, a partir daí, exigir que as outras instituições cumpram com seus deveres para garantia dos direitos humanos. Hoje é uma data muito especial porque esse sobre protocolo toca em nossas vidas. É sobre as vidas das 1,1 milhão de pessoas atendidas pela instituição no último ano”, reforçou Firmiane Venâncio.
Além de reforçar o compromisso institucional com a pauta racial, o “Protocolo de Atuação: Racismo – aspectos cíveis e criminais” ganha ainda mais relevância frente ao cenário apontado por dados recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os casos de injúria racial no Brasil tiveram uma alta de 610% na comparação de 2020 com 2023. Na Bahia, o crescimento foi de 647% no período. Na Bahia, são 1.057 finalizados (84% do total do país) e 5.270 aguardando apreciação (77% do total).
No documento lançado pela DPE/BA nesta terça-feira, o público interno e externo à DPE/BA tem acesso a informações relevantes previstas no arcabouço jurídico brasileiro, como a necessidade de assistência qualificada à vítima, possibilidade de indenização, enfrentamento ao racismo no ambiente virtual e modelos de peças e oficiais que podem nortear a atuação.
“Esse protocolo surge como uma emergência institucional após atuações da Defensoria na temática. Ele apresenta diretrizes concretas para que todos(as) colegas possam combater as formas de racismo em suas respectivas comarcas”, explica a coordenadora do Núcleo de Equidade Racial, Carolina Borges. Ela lembrou ainda que, com a alteração da Lei 7.716/89, em 2023, a DPE/BA também deve atuar em casos de racismo recreativo e racismo religioso.
Para a subdefensora-geral, Soraia Ramos, o “Protocolo de Atuação” é um instrumento fundamental para combater o racismo presente na sociedade. “Esse protocolo é importante e não pode ficar aqui. Temos que ser multiplicadores em nossas casas, instituições e em demais espaços”, afirmou.
Painéis temáticos
A programação do evento de apresentação do “Protocolo de Atuação: Racismo – aspectos cíveis e criminais” também contou com dois painéis temáticas sobre “Vivências da luta antirracista na atividade defensorial” e “Vivências da luta antirracista na construção de uma sociedade racialmente equânime”. O momento de discussão contou com a participação de representantes das Defensorias do Rio de Janeiro, Goiás, São Paulo, Bahia e Instituto Brasileiro De Ciências Criminais.
Na ocasião, a coordenadora do Núcleo de Combate ao Racismo e à Discriminação Étnico-racial (NUCORA) da DPE/RJ, Daniele de Magalhães, classificou o documento lançado pela DPE/BA como um “beaba para as pessoas brancas que, majoritariamente, ocupam os espaços de poder”. Segundo ele, na Defensoria do Rio, apenas 15% de pessoas autodeclaradas negras ocupam os cargos de defensor e defensora pública.
Para o coordenador do Núcleo Especializado em Situação Carcerária e Política Criminal da DPE/GO, Salomão Neto, é importante frisar que somente a criação de núcleos especializados não é suficiente para combater a estrutura racista. “Colocar uma única pessoa nesses espaços para lidar com temas tão complexos e sensíveis é uma estratégia da branquidade para promover nosso adoecimento”, afirmou.
Nesse sentido, o coordenador do Núcleo Especializado de Promoção da Igualdade Racial e de Defesa dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais (NUPIR) da DPE/SP, Vinícius Silva, afirma que o protocolo deverá nortear os(as) colegas para que essa atuação seja rotineira, não fique circunscrita nos núcleos especializados. “O debate e a importância da representatividade não podem esvaziar a responsabilidade das pessoas brancas no combate ao racismo”, assinalou.
O debate contou ainda com as contribuições da integrante da Comissão Nacional de Povos Indígenas da ANADEP, Júlia Lordelo, que chamou atenção para os aspectos cíveis do combate ao racismo, como o aumento dos crimes de ódio na internet, racismo nos serviços de saúde, entre outros. “A raça é um fator preponderância para muitas ‘coincidências’ na má prestação de serviços públicos”, apontou.
Já o coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Cleifson Dias, que atua há 20 anos com a pauta racial evidenciou o caráter histórico do “Protocolo de Atuação” e das atuações da DPE/BA. Para ele, o protocolo entra pra história assim como a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial entrou como a primeira instância de governo para tratar de políticas para negros e negras na Bahia.
Fonte / Foto: Ascom DPE/BA