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“Combate ao apagamento”: jovem indígena comemora identidades de gênero e étnica nos documentos

A retificação de documentos por meio da Defensoria da Bahia é fundamental no enfrentamento à vulnerabilidade digital e desconhecimento dos cartórios sobre as resoluções do CNJ.

Seté Payayá, gênero não binário. É assim que agora consta nos documentos do(a) jovem indígena de 27 anos, que reside em Utinga, na região da Chapada Diamantina. Através da Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA), ele(ela) teve a certidão de nascimento retificada para constar a identidade de gênero, prenome e nome indígena. O procedimento foi realizado de maneira extrajudicial, conforme previsão de atos normativos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O(a) jovem conta que, alguns anos antes de buscar a instituição, procurou informações sobre o procedimento para alterar o prenome. Concluiu que era caro e complexo, por isso desistiu. No atendimento da DPE/BA, Seté descobriu que também tinha direito a incluir a identidade de gênero e o nome étnico nos documentos, uma realidade que já é vivida pelas crianças nascidas no território indígena Cabeceira do Rio, onde reside.

Na avaliação de Seté, a retificação dos documentos tem um caráter coletivo importante no combate ao apagamento de seu povo. “O papel não altera nossa existência, mas para fora, na maioria das vezes, ele é importante. Com esse documento, as pessoas que descenderem de mim terão essa origem indígena documentada. Além disso, visibilizar minha identidade de gênero pode incentivar que outras pessoas se sintam confortáveis para serem quem são”, reflete.

Coordenadora do Núcleo de Igualdade Étnica da DPE/BA, Aléssia Tuxá reitera que o nome e prenome indígenas são conquistas importantes para os povos tradicionais. Para ela, trata-se do exercício do direito pleno ao nome. “É muito comum ouvirmos relatos sobre como, no momento do registro, um indígena não pode ser registrado com o nome que seus pais desejavam, na língua do seu povo, porque os funcionários dos cartórios se recusavam a fazê-lo”, lembra a defensora pública.

Aléssia ressalta ainda que esse tipo de recusa é uma violação de direitos que manifesta a mentalidade colonial presente na sociedade e que precisa ser combatida. “As pessoas indígenas têm todos os direitos que pessoas não indígenas e também o direito de preservar os costumes e tradições do seu povo, sendo dever de todos respeitar”, frisa a defensora pública.

A inclusão administrativa do gênero não binário nos documentos é possível na Bahia desde 2022. Naquele ano, a DPE/BA conseguiu firmar, junto ao Tribunal de Justiça (TJ/BA), o entendimento de que o provimento do CNJ sobre alteração de nome e gênero de pessoas trans também inclui as pessoas que não se identificam com o masculino ou feminino. Já a possibilidade de registrar o nome indígena nos documentos de nascimento é garantida pela Resolução Conjunta CNJ/CNMP nº 03/2012.

Apesar da proposta das normativas ser simplificar os procedimentos para que as pessoas interessadas possam fazê-los de forma autônoma existem barreiras à efetivação desses direitos. De acordo com a defensora Aléssia Tuxá, o desconhecimento dos cartórios sobre a existência das normativas que versam sobre o nome indígena, a vulnerabilidade digital e a ausência de gratuidade para as certidões de protestos são alguns dificultadores para que as pessoas indígenas realizem a retificação de nome sozinhas.

“Em sua maioria, os documentos necessários para realizar a retificação do nome podem ser obtidos de modo gratuito na internet. Mas é preciso considerar a vulnerabilidade digital que atinge os grupos sociais mais vulnerabilizados, incluídos aí os povos indígenas. Outro ponto é que ainda não existe previsão legal para gratuidade nas certidões de protestos nos retificações de nome indígena. Durante os mutirões, o Núcleo conta com órgãos parceiros que custeiam essas certidões e desoneram o(a) assistido(a)”, explica a defensora pública.

Seté foi atendido(a) pela Defensoria durante o Acampamento Terra Livre – Bahia, a maior Assembleia dos Povos e Organizações Indígenas do estado. Por conta das dificuldades encontradas junto ao cartório, o documento só ficou pronto no início de março. Com a certidão de nascimento retificada em mãos, Seté já conseguiu alterar os dados na Receita Federal e fazer a nova carteira de identidade.

Seté escolheu usar os gênero masculino e feminino no texto.

Fonte: Ascom DPE/BA
Foto: Divulgação

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