Vítima sofria ameaças de parte de sua família devido à sua identidade de gênero e às crenças religiosas
Uma pessoa trans obteve uma medida protetiva de urgência com base na Lei Maria da Penha para impedir o contato com um familiar que representava ameaça à sua integridade física e mental, após uma ação da Defensoria Pública da Bahia. A decisão a torna uma das primeiras pessoas trans da cidade de Serrinha/BA a ter a lei aplicada em seu favor.
A medida foi concedida nesta quarta-feira (26) pela 2ª Vara Criminal, um dia após a Defensoria solicitar a proteção judicial. A usuária buscou a instituição no início da semana, após denunciar na Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) que teve sua residência invadida e foi alvo de violência física e psicológica por parte de um familiar.
A decisão judicial proíbe que o agressor se aproxime a menos de 200 metros da vítima, de sua residência, local de trabalho e quaisquer outros espaços de sua convivência. Também impede qualquer tipo de contato com ela, familiares e testemunhas, por qualquer meio de comunicação.
Reconhecimento de direitos
“Fico honrada de ter sido uma das primeiras na cidade a obter uma medida protetiva. É um momento simbólico e importante para que outras pessoas trans enxerguem essa possibilidade, procurem instituições como a Defensoria e possam romper com o ciclo de violência”, destacou a vítima.
Para a defensora pública que solicitou a medida, Júlia Lordelo, a Lei Maria da Penha estabelece mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar, incluindo a proteção de pessoas transgênero. “A Defensoria tem um papel essencial de acolhimento, garantindo atendimento jurídico integral e requerendo medidas protetivas sempre que necessário”, ressaltou.
Ela enfatizou ainda que o tratamento discriminatório e a violência psicológica têm causado profundos danos emocionais, restringindo a liberdade da vítima de ser e se expressar conforme sua identidade de gênero e suas convicções religiosas.
Em 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a aplicação da Lei Maria da Penha para mulheres trans vítimas de violência doméstica ou familiar. No entanto, sua efetiva aplicação ainda encontra resistências em muitos casos.
Transfobia e intolerância religiosa
Segundo o pedido de medida protetiva da Defensoria, além de não aceitar sua identidade de gênero, a família utilizava a religião pentecostal como justificativa para atos de violência transfóbica contra a vítima.
“A violência sofrida está diretamente relacionada à identidade de gênero da vítima, evidenciando sua vulnerabilidade em relação aos familiares”, argumentou a Defensoria. Na decisão, a justiça considerou “evidente que a vítima está em situação que merece ser amparada para evitar que a violência evolua e a coloque nas estatísticas de feminicídio”.
Busca por paz
A vítima reside em uma casa nos fundos do terreno familiar, próxima à residência dos parentes, e relatou sofrer ameaças frequentes, especialmente ao acolher outras pessoas trans. Em um dos episódios, foi ameaçada de ter sua casa incendiada.
Atualmente, por medo, está abrigada na casa de uma vizinha. Para cuidar da saúde mental, faz uso de ansiolíticos. Relata ainda que precisa mudar de calçada ao avistar algum familiar, pois deseja viver em paz, longe de agressões e ameaças. A medida protetiva foi uma conquista que ela estende à comunidade trans, pela qual milita ativamente.
Com apoio da Defensoria Pública, ela também conseguiu retificar seu nome e gênero nos documentos em um dos mutirões de Adequação de Nome e Gênero realizados na cidade. Sua nova identidade foi emitida no início de março de 2025.
Mantivemos a identidade da vítima em anonimato em respeito à sua privacidade e para evitar qualquer risco de revitimização, conforme as diretrizes jornalísticas para casos de violência.
Fonte: Ascom DPE/BA
Foto: Reprodução DPE/BA