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Luta antimanicomial: após pedido da DPE/BA, STJ concede Habeas Corpus a homem que cumpriu em dobro o tempo da pena que poderia ter, caso fosse condenado

Indivíduo com problemas mentais foi preso preventivamente em 2021 por ameaça e lesão corporal leve e estava sob custódia no HCT. Ainda aguardava julgamento, mas a sentença máxima não ultrapassaria um ano e meio

Loucura não se prende. A Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA) levou ao pé da letra uma das palavras de ordem mais proferidas por quem milita na área da saúde mental e conseguiu Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para libertar um homem com problemas psiquiátricos, da cidade de Iaçu/BA.

Embora ainda aguardasse julgamento, já tinha cumprido o equivalente a 200% do tempo da pena máxima que teria caso fosse condenado. O flagrante, apesar de ter acontecido em 2020,  sua internação se prolongava preventivamente no Hospital de Custódia e Tratamento (HCT) desde 2021, respondendo por lesão corporal leve e ameaça. Ambos são considerados delitos de menor potencial ofensivo e a Defensoria recorreu ao STJ por considerar que houve excessos na manutenção da custódia. 

Quando a unidade da Defensoria em Brasília fez o pedido de HC, em abril de 2024, ainda não havia sido feita a instrução de processo penal – momento inicial do processo em que colhem-se provas e documentos para que o juiz possa julgar o caso. De acordo com o defensor Clériston de Macêdo, que atua na unidade da DPE/BA em Brasília, o indivíduo estava cumprindo pena antecipadamente.

“O paciente encontrava-se preso, à disposição da justiça, há cerca de três anos e três meses, tempo superior ao permitido para essa espécie de prisão, pois se trata de um caso simples, com penas baixas. Todos os prazos legais processuais estavam excedidos e não existia qualquer previsão de quando seria julgado”, explicou.

O HC reforça que “configura grave constrangimento ilegal por parte do órgão julgador negar ao paciente o benefício de responder ao processo em liberdade, cerceando seu direito de locomoção”. Além disso, de acordo com o Clériston, o próprio STJ determina que o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena.

No processo penal, a pedido da Defensoria, o HCT informa o relatório psiquiátrico, que indicou que o paciente relatava sentir-se melhor com o uso dos psicofármacos e menos irritadiço. Contudo, relatou ansiedade, medo e tristeza com a possibilidade de acabar vindo a óbito dentro do HCT. 

O relatório indica que o paciente foi colaborativo com a realização do exame, não teve nenhum tipo de delírio, estava com a memória e a atenção preservadas, e afirmou, inclusive, ter vontade de trabalhar com alguma coisa após sair do local. No entanto, também indica ser necessário ajustes na medicação para evitar intercorrências em possíveis novos comportamentos agressivos.

A Defensoria da Bahia segue acompanhando o paciente, que até o fechamento da matéria não havia sido liberado do HCT, por falta de acolhimento familiar. A instituição está buscando a internação em uma residência terapêutica, que acolhe pessoas em sofrimento mental vindas da internação.

Luta antimanicomial

O último dia 18 de Maio foi o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, mas ainda há resistências quando se fala em deixar livre alguém considerado pela sociedade como ‘louco’, mesmo que esteja sendo cuidado. “A pessoa em sofrimento mental que cumpriu medida de segurança deve ter direito à sua liberdade, ter garantia de ser cuidada e ter acompanhamento psicossocial e psiquiátrico”, reforça a psicóloga Laís Mendes, que atua no Núcleo de Saúde Mental da DPE/BA.

Ela lembra que em fevereiro de 2023, o CNJ instituiu a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, que baseia-se na Reforma Psiquiátrica, uma conquista do movimento de trabalhadores(as) da saúde mental, usuários(as) dos serviços e familiares que se uniram para lutar contra o modelo de asilamento em manicômios. “Essa resolução prevê a desinstitucionalização das pessoas com transtornos mentais ou deficiências psicossociais, bem como o processo do fechamento dos Hospitais de Custódia e Tratamento (HCT), que, assim como os manicômios, historicamente foram locais de violação de direitos e subjetividades de pessoas asiladas por sua condição de saúde mental”. 

De acordo com Laís Mendes, grande parte dessas pessoas acabam tendo o tempo da pena excedido ou não conseguem sair, porque tiveram seus vínculos familiares e comunitários rompidos. “Permanecem nos manicômios e hospitais de custódia por longos anos, onde perdem sua autonomia e possibilidades de condições dignas de tratamento e cuidado com qualidade e em liberdade, com seus direitos básicos garantidos”.

A psicóloga explica, ainda, que a internação em leitos psiquiátricos, hospitais gerais e emergências psiquiátricas, só é indicada quando forem esgotadas as alternativas de cuidado e que, com a Reforma Psiquiátrica, houve mudança para um modelo assistencial, que assegura a inserção social, o respeito à liberdade e a construção da autonomia. A atuação da Defensoria não apenas respeita este modelo como também acompanha a implantação e qualificação de uma rede de saúde mental equipada para acolher essas pessoas. Laís reforça que em alguns municípios existem os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), destinados a acolher pessoas que passaram por mais de dois anos de internação e que tiveram seus vínculos familiares e comunitários rompidos, como é o caso do paciente de Iaçu, que aguarda vaga em uma destas unidades.

Serviço de Saúde Mental

Em Salvador, a Especializada de Direitos Humanos da DPE/BA mantém uma equipe de Saúde Mental, composta por psicólogos e assistentes sociais que atuam em conjunto com o Núcleo de Atendimento à População de Rua (Núcleo Pop Rua). O grupo atua para garantir o direito à saúde mental em demandas coletivas e individuais, além de trabalhar junto à rede de proteção para o fortalecimento das políticas de saúde mental. Também acompanha o processo de qualificação e implantação de equipamentos da Rede de Assistência Psicossocial (RAPS).

Você pode solicitar os serviços de Saúde Mental da DPE/BA em Salvador nos endereços abaixo:

Casa da Defensoria de Direitos Humanos
Atendimento na área de Direitos Humanos
Endereço: Rua Arquimedes Gonçalves, nº 482, Jardim Baiano, CEP-40050-300, Salvador/Bahia
Atendimento: segunda a quinta, das 8h às 17h; sexta, das 8h às 14h
Telefone: (71) 3324-1564

Sede Canela
Atendimento à população em situação de rua e Saúde Mental
Rua Pedro Lessa, nº 123 – Canela, CEP 40110-050, Salvador/Bahia
Telefone: (71) 3117-6918
Atendimento: segundas, terças e quintas-feiras, das 9h às 12h e 13h30 às 16h30

Fonte / Foto: ASCOM DPE/BA

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