Estagiários e estagiárias da Defensoria ocuparam a Sala Walter da Silveira para assistir o doc Fé e Fúria
A relação entre fé e poder sempre esteve no centro das grandes transformações sociais. No entanto, quando a espiritualidade é usada como instrumento de opressão e controle, surgem conflitos que afetam diretamente as comunidades mais vulneráveis. Foi essa a reflexão central do primeiro Cine Debate do ano, realizado nesta sexta-feira (14), na Sala Walter da Silveira, em Salvador.
O evento, promovido pela Defensoria Pública da Bahia (DPE/BA), trouxe à tona a complexa interseção entre racismo religioso, tráfico de drogas e ausência do Poder Público, a partir da exibição do documentário Fé e Fúria, dirigido por Marcos Pimentel.
O público, formado majoritariamente por estagiários e estagiárias de nível médio da Defensoria, ouviram atentamente o debate, que reuniu especialistas e ativistas para aprofundar a discussão. Carolina Borges, defensora pública e coordenadora do Núcleo de Equidade Racial da DPE/BA, ressaltou a relação entre racismo e a violência enfrentada pelos povos de terreiro.
“Mesmo com o aparato de rede de proteção, ainda conseguimos ser falhos, porque a gente sabe que a raiz de tudo é o racismo. Se não cessarmos o racismo, não enfrentaremos a violência. A resistência dos povos de terreiro sempre foi um marco. Não é recente o debate do racismo, ele já estava aí desde sempre, mas temos trazido o debate ao público de forma mais contundente e com políticas mais expressivas”Carolina Borges, defensora pública e coordenadora do Núcleo de Equidade Racial da DPE/BA
Pós-doutora em Sociologia pela USP e professora da UFRB, Dyane Brito Reis, trouxe uma reflexão voltada especialmente para os estudantes presentes. “Na travessia dos povos escravizados, na ida, havia a obrigação de dar voltas em torno de uma árvore do esquecimento. Acreditava-se que ao fazer isso, eles iriam deixar pra trás a vida na África. Obviamente que isso não aconteceu. Quando a gente olha hoje, o sistema educacional funcionou como a árvore do esquecimento, pois nos fez achar que não éramos humanos ou que éramos inferiores”, alerta.
“No lugar de professora, a gente ainda tem um grande desafio posto. Por exemplo, ainda é um grande obstáculo colocar em prática o ensino da história afro-indígena nas escolas. Acredito que a educação é a grande revolução, mas tem havido muitos obstáculos”, completa Dyane Brito .
A defensora pública Tamires Ariel Lima Cardoso destacou a contradição implícita no título do filme e apontou para a relação histórica entre fé e conflito. “O primeiro ponto que me chamou atenção é o nome, quando você lê, percebe uma contradição, mas a gente sabe que ao longo da história da humanidade, conflitos aconteceram a partir da fé. Diante da negligência, a criminalidade ocupa esses espaços como figura de poder, é um contrato social, em troca de direitos à comunidade como liberdade de ir e vir”, explicou.

Já Dudu Ribeiro, especialista em gestão estratégica de políticas públicas, fez uma análise sobre a criminalização da pobreza e a ligação entre o tráfico e grupos religiosos. “Esse filme tem muitos bons elementos para pensar a sociedade brasileira. Não é sobre a religiosidade das pessoas, mas sobre a utilização do mercado da fé e sua relação com os poderes. O avanço dessa ligação dos mercadores da fé com o tráfico de drogas, que não existe sem a conivência até financeira de grandes grupos, é uma fração do poder do Estado, mas ele está tão intrínseco que não pode mais ser chamado de paralelo”, destacou.
Por fim, a pesquisadora Daisy Conceição Santos enfatizou a necessidade de uma resposta jurídica eficaz para essas questões. “Acho que a reflexão é pensar em que estrutura essas comunidades têm hoje, em nível de organização jurídica, para responder a isso, e órgãos como a Defensoria precisam ter esse olhar”, pontuou.
O evento contou com o apoio da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), da Secretaria de Cultura do Governo do Estado e da Pipoca Magrela.
Fonte / Foto: Ascom DPE/BA