Com defensores(as), profissionais do Direito, Assistência Social e Psicologia, Especializada em Curadoria especial garante segurança a cuidadores na representação dos interesses de crianças e adolescentes
“Perdi meu filho para a violência em 2016. E eu queria a guarda dos meus netos, porque a mãe faleceu depois, em 2019, e a família materna não podia ficar”. Dona Marina Lima (“não é a cantora”, como ela mesma diz em tom brincalhão), cabeleireira aposentada, mora na Mata Escura, em Salvador, e sofreu uma reviravolta na vida após a morte precoce do filho e da nora.
Precisou assumir o papel de mãe-avó de duas crianças órfãs, que sofreram o trauma da perda cedo demais. Ela chamou para si a responsabilidade de cuidar das crianças, mas não sabia que ia esbarrar em um problema com a Justiça.
O neto mais novo, João, de sete anos, não era registrado com o nome do pai, que faleceu quando ele ainda estava no ventre. Legalmente, Marina não tinha nenhum vínculo com ele. “Eu estava muito preocupada. Não podia fazer nem uma matrícula na escola. Aí uma pastora da igreja que frequento me informou que eu devia procurar a Defensoria Pública”, explicou ela.
Dona Marina buscou o Acolher, projeto da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA) que disponibiliza curadores e curadoras especiais – profissionais que atuam para garantir que a pessoa que precisa de curatela receba representação legal adequada e justa nos processos judiciais. Ela foi atendida por defensores(as) e profissionais de assistência social e psicologia, que fazem o acolhimento dessas crianças e de famílias como a de dona Marina, que ficaram desfalcadas por motivo de violência, saúde, ou ausência.
Para obter a guarda do mais novo, seria preciso regularizar a situação jurídica e incluir a família paterna nos registros. Enquanto isso, a Defensoria protege os interesses da criança, até que a família comprove o vínculo e possa agir legalmente por ela.
“Eu tinha muito medo do exame de DNA. Será que vai dar positivo? Fizemos pela Defensoria e, quando chegou, foi um alívio! Deu 99% de compatibilidade. Me senti mais fortalecida para cuidar deles”, comentou a avó, que conheceu o Acolher em 2020.
“Em abril (de 2024) eu peguei o registro dele constando o meu nome como avó paterna. Agora, o menino tem o nome do pai e o nosso. Isso foi uma grande vitória para a gente”, comenta dona Marina, toda orgulhosa, que conseguiu a guarda provisória com a ajuda da Defensoria.
A Defensoria também orientou a família sobre o andamento do processo de guarda, que ainda carece de apreciação pelo poder judiciário. “Antes da curadoria e do Acolher entrar no caso, a criança estava tendo direitos violados, principalmente o direito à educação e à saúde. Enquanto avó, dona Marina não conseguia resolver nada pelo João”, explicou Cristiane Leôncio, assistente social que atuou com a família pela Defensoria, enquanto aguardavam decisão judicial sobre a guarda definitiva. Depois de comprovar o vínculo com o exame de DNA, a DPE fez o processo de paternidade e o juiz averbou a certidão de nascimento.
Curadoria Especial
Você sabia que a Especializada em Curadoria Especial atua em todas as 203 comarcas da Bahia? Apenas em 2023, o setor recebeu mais de 7 mil processos. De janeiro a abril de 2024, já são mais de três mil.
Afeto
Uma realidade parecida com a de dona Marina, mas com desfecho diferente e igualmente emocionante. Seu Franco*, morador de um bairro popular em Salvador, também passou pelo trauma de perder um filho, que acabou se envolvendo com uma facção e foi morto em confronto com a polícia.
“Ele deixou uma garota grávida, acompanhamos a gravidez até o fim. Mas ela também estava envolvida, vivia mudando de endereço, fugindo. Um dia, ela deixou a minha neta para passar um fim de semana aqui com a gente e sumiu”, comentou.
Desde então, é ele e a esposa que cuidam da criança. “Ela ficou um ano e seis meses sem registro, sem identidade, sem tomar vacina. Só depois que a situação foi resolvida que a gente pôde ir atrás do cartão do SUS”, conta.
“A gente precisava viajar, levar ela, e eu morria de medo de ser parado e perguntarem porque estávamos com a menina. Aí procuramos a Defensoria”.
Franco também precisou fazer o exame de DNA para poder pleitear a guarda. No entanto, quando a Defensoria trouxe o resultado, veio outra preocupação: o teste deu negativo e o processo teria que mudar para adoção, que exige um pouco mais de etapas judiciais e sociais para ser finalizado.
Mas, por meio da Defensoria, ele conseguiu a guarda provisória para cuidar da garota enquanto espera finalizar o processo de adoção socioafetiva. E hoje, segue aliviado com o acompanhamento que é feito com o Acolher.
“Ela foi uma coisa que caiu do céu: mudou a minha vida. É um amor que não dá para medir. Já me chama de pai, embora às vezes ainda chame de ‘vô’”, se emociona Franco, que aguarda ansiosamente a decisão judicial que pode torná-lo pai-avô oficial.
“Nós temos o maior cuidado, ela está no colégio, entrou no ballet, já sabe escrever o nome, ganhou até aulas de capoeira”, diz seu Franco, empolgado com o crescimento da criança. Para ele, a neta renovou sua vontade de viver, para vê-la alçar voo.
*nome fictício para respeitar o anonimato da fonte
O Especial Curadoria é uma série de quatro reportagens. Para entender um pouco mais sobre o trabalho da Curadoria Especial da DPE/BA e do projeto Acolher, confira as outras matérias abaixo. Com você, pelos seus direitos!
Fonte: ASCOM DPE/BA
Foto: Divulgação