Crianças e adolescentes trabalham em cada encontro as habilidades necessárias para gerir seus sentimentos e lidar com decisões
Com os olhos levemente marejados e a voz serena, como quem tenta conter a emoção, o adolescente Mário*, 17 anos, deu um depoimento comovente para os colegas que participavam da oficina “Conectados pela Paz”, promovida pela Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA), em Salvador. “Eu consegui vencer a minha depressão. Me sinto um pouquinho mais feliz porque, da última vez, eu não estava muito bem. Eu estou quase chorando porque foi muito difícil, mas eu consegui… E minha mãe ficou muito feliz por isso”, disse ele ao compartilhar algumas palavras sobre o impacto positivo que o trabalho da DPE/BA teve em sua vida.
Ele faz parte de um grupo de adolescentes que presenciaram situações de violência em ambiente escolar – aqui compreendidas como situações que geram dor ou dano, em si ou em outro, diretamente ou não – e que participam do encontro “Conectados pela Paz”. A iniciativa tem como objetivo ajudá-los a superar eventuais traumas sofridos ao promover atividades focadas em entender as próprias emoções, incentivar o diálogo interpessoal e mediar conflitos, sejam internos ou externos.
Acompanhados pela DPE/BA desde o início de 2024, os adolescentes trabalham a cada encontro as habilidades necessárias para gerir suas emoções. No último encontro, realizado no início de outubro, eles aprenderam sobre os quatro passos para uma comunicação não violenta: observação, sentimentos, necessidades e pedido. Além disso, também conversaram sobre o poder das palavras.
“Se as palavras são paredes ou janelas, acredito que depende do ponto de vista. Às vezes, a pessoa diz algo que acha que deveria, mas prejudica tanto a si mesma quanto a outra pessoa. Então, poderia ter agido de outra forma, falado de uma maneira melhor”, refletiu a adolescente Maria* na ocasião.
Especialista em Cultura de Paz e facilitadora da oficina, Rejane Lisboa conduz as atividades juntamente com a assistente social Cíntia Santos e a analista jurídica Juliana Brito. Rejane explicou que as atividades visam levar os participantes a refletir sobre o impacto das próprias ações e das palavras nos relacionamentos interpessoais.
“Esse é um espaço de acolhimento, de desenvolvimento de habilidades relacionais, de criatividade, empatia, gestão de conflitos. E, por meio das reflexões, conduzimos os adolescentes a serem protagonistas das próprias histórias de vida, sem que os traumas que aconteceram determinem seus futuros”, disse.
O trabalho é idealizado pelas Especializadas de Juizados Especiais e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescentes, estruturas coordenadas respectivamente pelas defensoras Eveline Portela e Gisele Aguiar, e pela Especializada de Família, coordenada pelo(a) defensor(a) Adriano Oliveira e Tatiane Ferraz.
“Nesses encontros, eles vão aprendendo a confiar, a se sentirem em um espaço mais seguro, a revelarem sentimentos e trabalharem a partir de perspectivas diferentes, ressignificando situações de violência que eles viveram no contexto familiar ou escolar”, explicou a coordenadora Eveline Portela.
Cultura de paz
A facilitadora Rejane Lisboa e a defensora pública Eveline Portela explicaram que a ideia de desenvolver este trabalho foi inspirada na Cultura de Paz. Esta é definida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como uma cultura baseada na tolerância, solidariedade, que se empenha em prevenir conflitos e respeita os direitos individuais.
Na Defensoria, o trabalho de mediação de conflitos já era desempenhado junto aos adultos – pais e mães, usuários dos serviços da Defensoria da Bahia, que estão em situação de violência dentro do núcleo familiar. No entanto, como explicam a facilitadora e a defensora pública, no decorrer do trabalho foi identificado que “os pequenos seres humanos” estavam imersos nos conflitos e muitas vezes não eram ouvidos sobre suas necessidades.
“Eles também precisavam ser acolhidos em espaços onde pudessem expressar suas emoções, dizer o que estavam sentindo em relação aos acontecimentos familiares porque o conflito, quando ocorre, é sistêmico e atinge todas as pessoas que estão envolvidas”, disse a especialista em Cultura de Paz.
As crianças são acompanhadas por seus responsáveis durante todo o desenvolvimento das oficinas. As crianças conhecem sentimentos – como alegria, tristeza, ansiedade, tédio, raiva – para entenderem a importância e as implicações de cada uma. Caso algum usuário se identifique com o perfil da matéria, pode ligar para o 129 para saber mais informações.
Em um dos encontros, Mariana* trouxe o seu filho para participar das atividades. Ao final, ela percebeu uma mudança importante de comportamento do dele e entendeu que o momento é fundamental para superar os momentos desafiadores da vida.
“Meu filho está mais solto, conseguindo identificar melhor as emoções dele e a gente está sabendo lidar melhor com os questionamentos que ele tem. No momento do desenho, da roda de conversa, conseguimos expor nossos pensamentos, ficar mais unidos e nos conectar mais”, avaliou a técnica de enfermagem.
Míriam*, por sua vez, acompanhou a neta no encontro da Defensoria da Bahia. “É um encontro muito importante para a criança de reencontrar, interagir com outras crianças para entender que o trauma que ela viveu pode ser recuperado. É uma maneira de não levar isso que aconteceu para o futuro”, explicou a avó.
*Nomes fictícios.
Fonte: Ascom DPE/BA
Foto: Dedeco Macedo – Ascom DPE/BA